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Frutose e a resistência à insulina

Figura 10| Efeitos metabólicos da insulina

Figura 9| Johnson RJ et al. Hypothesis: could excessive fructose intake and uric acid cause type 2 diabetes?Endocr Rev. 2009 Feb;30(1):96-116

Em doses baixas a frutose parece exercer um efeito benéfico na intolerância a glucose.

 

No entanto, a frutose não estimula a secreção de insulina nem de leptina:

Estas duas enzimas estão envolvidas na regulação do metabolismo energético a longo prazo. Uma vez que as células Beta pancreáticas não expressam o transportador GLUT5, necessário ao transporte da frutose para dentro da célula, nenhum dos efeitos mediados pela insulina é estimulado.

 

Adicionalmente, o aumento de ácidos gordos não esterificados vai contribuir para a redução da sensibilidade à insulina, já que um aumento do seu aporte ao fígado via veia porta aumenta a produção de glucose hepática (gluconeogénese) o que resulta na desregulação do metabolismo dos hidratos de carbono.

 

Paralelamente, verificou-se que o mesmo aumento de ácidos gordos leva a disfunção das células beta produtoras de insulina.

 

Por outro lado, verifica-se um aumento generalizado de trigilicerídeos no organismo, em consequência do aumento da VLDL. [10] Tal deve-se à maior produção destas partículas, por alteração da taxa de síntese de ácidos gordos a nível hepático, e por diminuição do catabolismo das mesmas, resultante de alterações da atividade da lipoproteína lípase (LPL) [11].

Frutose e a regulação do apetite [5]

O efeito da frutose no apetite ainda é controverso.

Primeiramente, é importante esclarecer os efeitos das 3 moléculas que regulam o apetite: insulina, leptina e grelina.

 

  • A insulina reduz o apetite e aumenta os gastos energéticos em repouso, mas não é regulada pela frutose pois não existem transportadores de frutose nas células beta do pâncreas (secretoras de insulina quando estimuladas pela glucose). Por essa razão a frutose não é capaz de despoletar os mecanismos de saciedade promovidos pela insulina.

  • Por outro lado, a insulina é capaz de modelar a ação da leptina, uma hormona produzida em adipócitos também muito importante na homeostase energética pois induz um sinal de saciedade.

  • A grelina é produzida no estômago e tem como função aumentar o consumo energético/apetite e inibir a beta-oxidação dos lípidos. A sua ação é inibida pela insulina e glicose. 

 

A frutose tem menor poder de saciedade do que a glucose, o que se pode deduzir através dos seus efeitos fisiológicos. O aumento pós-prandial da glicemia tem um papel importante nos mecanismos de controlo de saciedade e ingestão de alimentos mas este efeito é atenuado com a ingestão de frutose. Ao ingerir frutose às refeições vai haver uma menor supressão da grelina (↑ grelina, ↑ apetite) e um menor aumento da leptina (↓leptina, ↓ saciedade) do que em refeições com igual quantidade de glucose, o que sugere que a frutose seja menos eficaz na supressão do apetite. 

 

Vários estudos suportam o facto de que elevada ingestão de frutose provoca aumento de apetite: 

 

 

 

Em ratos alimentados com frutose foi administrada leptina, não se verificando nenhum efeito anorético que seria de esperar devido à sua função de saciação.

 

Como resposta à frutose ocorreu uma diminuição significativa na fosforilação hipotalâmica do STAT-3 (signal transducer and activator of transcription-3).

 

Observou-se também, em ratos, que elevada ingestão de frutose causa resistência à leptina, devido a uma acentuada supressão de citocina 3 e diminuição da fosforilação de proteínas essenciais à sinalização da leptina. A nível hepático, onde a leptina promove oxidação de gorduras, a resistência hepática à leptina pode contribuir para uma patologia induzida pela frutose: Doença do fígado gordo não alcoólico (non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD).

 

 

Baseando-se no “abastecimento energético” do cérebro, um estudo consistiu em avaliar o efeito da frutose neste órgão, e verificou-se que tem efeitos opostos ao da glucose. A razão ATP/AMP baixou, o que estimulou a atividade de AMPK, baixou malonil-CoA e aumentou a ingestão de alimentos.

 

Não se pode concluir que isso acontece numa situação normal, pois os níveis plasmáticos de frutose nunca chegariam aos níveis utilizados no ensaio, nem uma elevada  ingestão de frutose causaria tal aumento desta no líquido cefalorraquidiano.

Frutose e deficiências enzimáticas

Figura 10| Convergência entre os metabolismos da Glucose, frutose e ácido úrico. Destaque os dois primeiros passos do metabolismo da frutose. Adaptado de Johnson RJ et al. Hypothesis: could excessive fructose intake and uric acid cause type 2 diabetes?Endocr Rev. 2009 Feb;30(1):96-116

Frutocinase

 

A frutocinase é uma enzima muito específica para o metabolismo da frutose iniciando-o através da sua fosforilação em frutose-1-P (Figura 10, 1). Caracteriza-se por ter um Km baixo para esta, o possibilita uma rápida metabolização da frutose no fígado [5].

 

A deficiência hereditária da frutocinase leva a uma doença rara, no entanto benigna, designada por frutosúria hereditária.

 

Caracteriza-se por uma perda de frutose na urina, o que vem comprovar que o metabolismo extra-hepático da frutose é praticamente nulo [5].

 

Existem estudos atuais que identificam a frutocinase como uma possível abordagem terapêutica em várias patologias, o seu polimorfismo foi associado a um risco aumentado para desenvolver doenças cardiovasculares [14].

Aldolase

 

A aldolase B metaboliza a Frutose-1-fosfato em triose-fosfato permitindo a  metabolismo da frutose (Figura 10, 2[5]. No entanto existe uma prevalência de 1 por cada 20 mil nascimentos de deficiência na mesma [13].

 

Esta deficiência enzimática vai levar a uma intolerância hereditária à frutose que, quando exposto, se vai caracterizar por episódios de hipoglicemia, vómitos, hepatomegalia, coagulopatia, coma, síndrome renal de Fanconi, desordens metabólicas como acidose lática e desenvolvimento de cirrose e esteatose hepática [12].

 

Esta intolerância à frutose foi inicialmente descrita em 1956 e 4 anos depois foi demonstrada a deficiência desta isoenzima no fígado, sendo então reconhecida como uma patologia clínica [12].

 

No presente, o único tratamento para a intolerância hereditária à frutose é a sua remoção da dieta, o que no atual contexto comercial é difícil devido ao uso generalizado da frutose como adoçante [13].

 

Bibliografia

[5] Tappy L, Le KA. Metabolic effects of fructose and the worldwide increase in obesity. Physiol Rev. 2010;90(1):23-46.

[10] Elliott SS, Keim NL, Stern JS, Teff K, Havel PJ. Fructose, weight gain, and the insulin resistance syndrome. Am J Clin Nutr. 2002;76(5):911-22.

[11]Chong MF, Fielding BA, Frayn KN. Mechanisms for the acute effect of fructose on postprandial lipemia. Am J Clin Nutr. 2007;85(6):1511-20.

[12] Joosten R, Berzdorf M, de Barsy T, Habedank M. [Liver fructose-1-phosphate and fructose-1,6-diphosphate aldolase deficiency in hereditary fructose intolerance (author's transl)]. Klin Padiatr. 1981;193(5):392-3.

[13] Oppelt SA, Sennott EM, Tolan DR. Aldolase-B knockout in mice phenocopies hereditary fructose intolerance in humans. Mol Genet Metab. 2015;114(3):445-50.

[14] Johnson RJ, Segal MS, Sautin Y, Nakagawa T, Feig DI, Kang DH, et al. Potential role of sugar (fructose) in the epidemic of hypertension, obesity and the metabolic syndrome, diabetes, kidney disease, and cardiovascular disease. Am J Clin Nutr. 2007;86(4):899-906.

 

 

 

 

 

 

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